Mar.

outubro 28, 2004

Eu sou os Silêncios da Banda do A-Mar

Era uma aldeia com CINCO cores.
Mentira: era uma aldeia com CINCO raças.

De um mundo em chamas
para uma sala escura,
cinco crianças em fuga.

Imaginem um grande castelo de lágrimas,
construído pela dor colectiva dos que ficaram sós.
Imaginem um poço cheio de castelos de lágrimas
incapaz de apagar o fogo.

E então correram, correram, correram. Com a
velocidade da fome que descasca a estrada para depois comer.
Com a luz e sombra das chamas a engolir a natureza.
Com caroços, postes, casas e tudo. Correram para a fuga e
fecharam-se no escuro da Grande Casa Abandonada.
Havia a porta por fechar.
O ruído das sirenes ecoava na sala como o sino que se esqueceu de calar.
Teimoso. Distraído.
Tum! A porta bate. Homens inflamados, torres e sirenes lá fora.

Mas o mais ameaçador de todos os incêndios está no interior dos Homens Grandes.

Fim

Uns apontamentos para a posteridade:

Olha que não tenho nenhuns. Além da luz e do sonho tenho o Mar. Nada se encontra entre os objectos palpáveis. Envio ondas no meu Mar, elas fazem espuma. Engraçado como elas fazem espuma. São azuis e ficam brancas. A espuma! Dou-lhes um sorriso e elas voltam ao Mar. Contentes. A voar.

outubro 26, 2004

Sem olhar

Quando souber desenhar, serei feliz. Mas, olha, amigo: olha! Eu sou feliz. O desenho? É feliz. Desenharam-se ovelhas, caixas. Que mais? Quem mais pensa fazer melhor? Olha, era uma vez um menino: diziam-lhe menina. Quem se importa? Ele não. Ela andava feliz a cuidar das flores e dos elefantes e formigas que aleijavam os pés. Percorria pradarias e montanhas., casas com telhados sem fim.O sol sorria. A lua, quando o substituía, perguntava-se se todos olhavam para o sol como para ela. A menina sorria e respondia: - Para o sol não podemos olhar! Ele não deixa.- Tem a mania esse, dizia a lua.- Não! – o menino – É tímido. Mas ele dá vida à vida. É tímido e é giro! Quer dizer, não o vi… É tímido.Virou-se e acordou. Não se sentia. Mas estava feliz! Tinha morrido: o seu sorriso era o de uma flor pela manhã. Com um melro a cantar. Trina o melro. A vida vive-se. É Mar.

outubro 19, 2004

Era uma vez

Era uma vez
um menino bem pequenino
um infame santinho
de agradável tez.

Vivia sozinho, era feliz!
"Desejo-me a mim", diz.

Via tudo em tudo
E o tudo era mudo.
Não se fazia sossegar
Arranhando, matava o acordar.

Dormia, sonhava, vivia
Dava-se ao luxo de dormir de dia
Pulava, sorria, cantava
Punhalada na morte: Parva!

Era uma vez
um poeta pequenino
um infante diabinho,
de suspeita tez.

Vivia sozinho, era feliz!
"Desejo-me a mim", diz.

Via tudo mudo
E com o olhar ouvia tudo.
Não se deixava acordar
Acabara de adormecer, estava a sonhar.

Ali, o menino poeta despertou
Viu uma flor e corou
Era a mais bonita: com o sol e a sua luz
e a gota de água a baloiçar na sua mão soprou: Mar.