Mar.

novembro 29, 2004

Memória

"não me esqueço do mar; é como um espelho ou eternidade; brilha, reflecte, fere e incandeia."

Almeida Faria

novembro 20, 2004

Vigílias

Quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer

a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas

um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz

quero morrer
com uma overdose de beleza

e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador


AlBerto

novembro 15, 2004

Lobo

(e o mar à esquerda, o mar em baixo sempre à nossa esquerda, espreitava-se da janela e em vez da praça o mar)

A. Lobo A.

novembro 10, 2004

Menino do Bairro Negro

Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão
Vem ver a luz

Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Virá também

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar

Se até dá gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti

Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver

Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego

Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção

José Afonso

novembro 09, 2004

You are welcome to Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
Entre nós e as palavras há hélices que andam
E podem dar-nos morte violar-nos tirar
Do mais fundo de nós o mais útil segredo

Entre nós e as palavras há perfis ardentes
Espaços cheios de gente de costas
Altas flores venenosas portas por abrir
E escadas e ponteiros e crianças sentadas
À espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas,que esperam por nós
E outras frágeis,que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens, palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis à boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.

Mário Cesariny

novembro 07, 2004

Naufrágio

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri os mares com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
corole as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho,dentro de um navio...

Chorarei quando for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Escreve: Cecília Meirelles
Canta: Amalia

novembro 04, 2004

(m)ar